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Armários do saber.

Escrito por Abdon Mar­inho


Armários do saber.

Por Abdon C. Marinho*.

LEONEL BRIZOLA (19222004), politico que fez car­reira no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, cos­tu­mava dizer que a edu­cação não era cara, o que, efe­ti­va­mente, era cara era a ignorância.

Dizia isso, sobre­tudo, depois de, retor­nando do exílio, em 1979, e eleger-​se gov­er­nador do Estado do Rio de Janeiro, em 1982, ini­ciar o pro­grama dos Cen­tros Inte­gra­dos de Edu­cação Pública, os CIEP’s.

Há quarenta anos Brizola enx­er­gava a importân­cia da edu­cação de qual­i­dade na vida de cri­anças e na con­strução de um país.

Aliás, nas palavras de Mon­teiro Lobato: “uma nação se faz com homens e livros”.

Em meus vagares fico imag­i­nando se ao invés de crit­i­cas todos os gov­er­nantes do Brasil, do prefeito ao pres­i­dente, pas­sando pelos gov­er­nos estad­u­ais, tivessem seguido o exem­plo de Brizola e apos­tado com seriedade na edu­cação inte­gral de nos­sas cri­anças.

Estaríamos com tan­tos jovens amar­gando as incertezas da vida, da mar­gin­al­i­dade? Estaríamos com um país mel­hor? Teríamos nos lib­er­tado dos armários da ignorân­cia?

Outro que sem­pre cito ao falar ou debater sobre a edu­cação pública nacional, Cristo­vam Buar­que, dizia lá atrás, há mais de vinte anos, pelo menos, que o ensino fun­da­men­tal do país dev­e­ria ser fed­er­al­izado, ou seja, que o gov­erno fed­eral dev­e­ria “tomar de conta” e não os municí­pios.

Muito emb­ora, nos ter­mos da Con­sti­tu­ição Fed­eral, a edu­cação seja respon­s­abil­i­dade de todos – “A edu­cação, dire­ito de todos e dever do Estado e da família, será pro­movida e incen­ti­vada com a colab­o­ração da sociedade, visando ao pleno desen­volvi­mento da pes­soa, seu preparo para o exer­cí­cio da cidada­nia e sua qual­i­fi­cação para o tra­balho” –, a própria Carta esta­b­ele­ceu que os municí­pios pri­or­i­tari­a­mente atu­ar­iam na edu­cação infan­til e no ensino fun­da­men­tal; Esta­dos e Dis­trito Fed­eral, no ensino fun­da­men­tal e médio; e a União “o sis­tema fed­eral de ensino e o dos Ter­ritórios, finan­ciará as insti­tu­ições de ensino públi­cas fed­erais e exercerá, em matéria edu­ca­cional, função redis­trib­u­tiva e suple­tiva, de forma a garan­tir equal­iza­ção de opor­tu­nidades edu­ca­cionais e padrão mín­imo de qual­i­dade do ensino medi­ante assistên­cia téc­nica e finan­ceira aos Esta­dos, ao Dis­trito Fed­eral e aos Município”.

Em escritos mais recentes, Buar­que assenta que o prob­lema edu­ca­cional do país alicerça-​se na desigual­dade do sis­tema ensino que não ofer­ece as mes­mas opor­tu­nidades a todas as cri­anças e ado­les­centes; e ainda que os entes respon­sáveis dev­e­riam envi­dar os esforços necessários para que as cri­anças chegassem aos 08 (oito) anos de idade alfa­bet­i­zadas em pelo menos duas lín­guas.

Desde sem­pre que sou um entu­si­asta e defen­sor da edu­cação pública e de qual­i­dade. Fui dos que foi “pra rua” nos anos oitenta exigindo mel­ho­rias, que brigou pelas garan­tias de tal qual­i­dade e val­oriza­ção dos edu­cadores na Con­sti­tu­ição, que defendeu o FUN­DEF, o FUN­DEB e todas demais matérias rela­cionadas as mel­ho­rias do ensino no país. Logo, não estranho quando escuto sobre VAAT, VAAR, SAEB, ENEM, PISA e diver­sas out­ras siglas.

É dizer, não me é descon­hecido qual­quer tema rela­cionado à edu­cação nacional – talvez não saiba tanto quanto um pres­i­dente de sindi­cato que passa o dia inteiro estu­dando ou falando sobre o assunto, mas não passo “ver­gonha” –, ainda mais agora que por “ossos” do ofí­cio tenho o dever de con­hecer.

Faço tais digressões para pon­tuar que em mais quarenta anos de “mil­itân­cia” jamais tinha ouvido falar na “tese” com que deparei nos últi­mos dias.

À guisa de criticar a “per­for­mance” dos estu­dantes maran­henses no último Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, um dos can­didatos der­ro­ta­dos no último pleito estad­ual, em réplica ao secretário respon­sável pela pasta disse que o maior prob­lema do mesmo seria o fato dele (secretário) não se “assumir” conclamando-​o “a sair do armário”, que “ficaria mais bonito”.

Como estu­dioso (ou, ao menos, curioso) do assunto, nem na hora que me chegou a notí­cia ou mesmo decor­rido dias das exor­tações não con­segui “alcançar” a linha de raciocínio do “crítico”. Afi­nal, o que teriam os “armários” onde, suposta­mente, autori­dades se “guardariam” com os indi­cadores edu­ca­cionais?

Vejam, tanta gente por tanto tempo estu­dando alter­na­ti­vas para o drama edu­ca­cional brasileiro sem nem descon­fiar a solução seria tão sim­ples: abrir os armários.

Rapaz, ninguém pode­ria descon­fiar de tal coisa.

Na per­spec­tiva do opos­i­tor, imag­ino que todos os saberes este­jam den­tro dos armários junto com as autori­dades. Abrindo-​se se as por­tas dos armários para que as autori­dades pos­sam sair, os prob­le­mas edu­ca­cionais estarão resolvi­dos.

Os saberes “lib­er­a­dos” dos armários estarão disponíveis para as cri­anças e ado­les­centes e “choverão” notas altas nas avali­ações.

Será que o mesmo raciocínio fun­ciona para out­ras áreas do Estado?

Aber­tas as por­tas dos armários da infraestru­tura sur­girão viadu­tos, rodovias, estradas nov­in­has para per­cor­re­mos.

Aber­tas as por­tas dos armários da saúde, os hos­pi­tais públi­cos ficarão um pri­mor, não fal­tarão leitos ou vagas, os médi­cos estarão sem­pre disponíveis em quais­quer espe­cial­i­dades. É até pos­sível que ninguém mais nem adoeça.

Nessa mesma esteira podíamos fazer uma cam­panha “abaixo os armários”. Tudo seria muito mais fácil.

Resolvido: por um mundo sem armários!

Não é descabido pen­sar que na even­tu­al­i­dade do cidadão chegar ao poder algum dia ter­e­mos um gov­erno “sem armários”, um gov­erno “de por­tas aber­tas”. Se o cidadão entende que os prob­le­mas se resolve “sem armários”, não tem nada mais fácil de se resolver.

Se o leitor que chegou até aqui perce­beu que estou sendo irônico podemos continuar.

Já escrevi diver­sas vezes sobre a chamada “ofensa gay” – inclu­sive tem um texto com esse título –, dizendo que acho incom­preen­sível, em pleno século XXI, que pes­soas, públi­cas ou não, “tachem” out­ras gays, ou cobrem que se “assumam” ou que “saiam do armário” não intenção de “ofendê-​las”.

Mais, que pes­soas, públi­cas ou não, sintam-​se “ofen­di­das” por terem sido chamadas assim.

Ser gay é algo tão abom­inável a ponto ser uti­lizado como sucedâ­neo de ofensa?

As excelên­cia que se uti­lizam disso para “ofender” ou as que se sen­tem “ofen­di­das” dis­pen­sam os votos dessas pes­soas (da sopa de letrin­has) nas eleições?

Nesse der­radeiro episó­dio, que me parece, a “ofensa gay” foi uti­lizada para “ofender” – pois não con­sigo “enx­er­gar” lig­ação entre o resul­tado obtido no ENEM pelos estu­dantes da rede estad­ual com supos­tos armários onde, por­ven­tura, alguma autori­dade esteja homiziada –, a reação no campo “oposto” pelo menos indi­re­ta­mente, foi de quem a rece­beu como “ofensa” – basta ver a reação dos diver­sos escribas alin­hados ao “ofen­dido” que saíram em defesa do mesmo acu­sando o “ofen­sor” de “baixaria”.

Então ficamos assim: de um lado pes­soas que uti­lizam, insin­uam sobre a condição sex­ual de out­rem na intenção de ofender; de outro, pes­soas que recebem tais insin­u­ações como “ofen­sas”; no meio, cri­anças e ado­les­centes que ape­nas querem uma edu­cação igual­itária e de qual­i­dade.

Os armários que inter­es­sam a essas cri­anças e ado­les­centes são os armários das esco­las onde pos­sam guardar seus mate­ri­ais didáti­cos, para­didáti­cos, esportivos, etc., de prefer­ên­cia em esco­las onde pos­sam pas­sar o dia inteiro estu­dando e apren­dendo.

Fora desses out­ros não inter­es­sam a elas.

O que nos resta é a tor­cida para que algum dia as pes­soas se lib­ertem dos seus armários da ignorân­cia e come­cem a tratar as pes­soas com a seriedade que é dev­ida por todos a todos.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

O censo e os novos desafios para os municí­pios brasileiros.

Escrito por Abdon Mar­inho


O censo e os novos desafios para os municí­pios brasileiros.

Por Abdon C. Marinho.

O RESUL­TADO do censo 2022 – atrasado em relação ao ano em que dev­e­ria ter sido feito (2020) e tam­bém ao ano que dev­e­ria ter sido divul­gado (2022) – ainda ren­derá muitos debates políti­cos e econômi­cos e trará alguns desafios adi­cionais as já exis­tentes e com­bal­i­das finanças munic­i­pais.

Não é seg­redo a ninguém que, inclu­sive, com base nas pro­jeções do próprio IBGE, todos nós esperá­va­mos uma pop­u­lação global na casa dos 215 mil­hões de brasileiros – eu mesmo, em diver­sas opor­tu­nidades, apre­sen­tações, etc. –, cheguei a cravar: “— o Brasil, com uma pop­u­lação de 215 mil­hões de cidadãos …”. Os gestores munic­i­pais e estad­u­ais seguiam na mesma linha, diver­sas vezes per­gun­tei a esse ou aquele prefeito: — prefeito, qual é mesmo a pop­u­lação do seu municí­pio? Obtendo, invari­avel­mente, como resposta: — ah, doutor, segundo o IBGE é tanto, mas acho que com o censo vai pas­sar de tanto. Jogando um número bem supe­rior, quase sem­pre sufi­cientes para alter­ação no índice da faixa do Fundo de Par­tic­i­pação dos Municí­pios — FPM.

Com a prox­im­i­dade da con­tagem pop­u­la­cional, onde já havia “con­fli­tos” sobre lim­ites, os mes­mos se acir­raram com cada um dos gestores pleit­e­ando a inclusão daque­las pop­u­lações para o seu municí­pio.

O certo é que o censo veio e já nas primeiras par­ci­ais mostravam que a real­i­dade era bem difer­ente das pro­jeções e tam­bém dos son­hos e dos dese­jos de muitos gestores. Vi muitos recla­mando que o censo estava errado, que os recenseadores não estavam tra­bal­hando dire­ito, que estavam perseguindo esse ou aquele municí­pio, que esque­ce­ram de ir na casa de dona Mari­az­inha numa vila escon­dida na flo­resta ou per­dida em uma ilhota qual­quer, que o seu Pedro não estava em casa e que, por isso mesmo, não infor­mou dos 25 fil­hos que tem com três esposas difer­entes, e por aí vai.

Com a divul­gação do resul­tado final, os mais irres­ig­na­dos bus­caram ajuda de par­la­mentares para falarem mal do censo ou foram dire­ta­mente recla­mar ao juiz – na falta de um bispo que não tem nada a ver com a questão.

Com uma ou outra falha aqui e ali ou com um ou outro cidadão que não foi encon­trado ou não quis respon­der ao censo – ouvi de mais de um a infor­mação que não foi entre­vis­tado –, não creio que ter­e­mos alter­ações nos números já divul­ga­dos e, caso isso venha a acon­te­cer, pois nunca se sabe o que se passa na cabeça de juiz, que seja sufi­ciente para alterar as real­i­dades já espel­hadas nos números.

Um antigo pro­fes­sor de matemática, se não me falha a memória do Liceu Maran­hense, cos­tu­mava dizer: — são números, Abdon, e os números não mentem jamais.

Logo, quem chorou, chorou, quem não chorou não chora mais. Temos é que tra­bal­har com os números disponíveis.

Exceto por um grupo pequeno de municí­pios, a grande maio­ria perdeu pop­u­lação, muitos com reflexos nos indi­cadores de FPM. Os que ficaram como estavam ou não sofr­eram per­das sig­ni­fica­ti­vas devem dar-​se por sat­is­feitos e tra­bal­harem com o que tem.

O censo é uma coisa fan­tás­tica, ele mostra a real­i­dade como ela é, con­tando cada situ­ação de forma indi­vid­ual, na sua par­tic­u­lar­i­dade, no seu detalhe. Cabendo aos estu­diosos e aos inter­es­sa­dos faz­erem suas pro­jeções e inter­pre­tações.

Por isso disse, no iní­cio, que muito ainda escrever­e­mos sobre os dados expos­tos pelo censo de 2022.

Além dos impactos econômi­cos que os números do censo trazem, há reflexos e infor­mações sobre todos os out­ros aspec­tos da vida social dos municí­pios, na saúde, na edu­cação, na assistên­cia social – enganam-​se os que pen­sam que os impactos são ape­nas no número de habi­tantes deste ou daquele municí­pio.

Como sem­pre fui muito lig­ado às questões lig­adas a edu­cação, ainda na sem­ana em que foi divul­gado os números do censo 2022, lan­cei uma nota téc­nica com ori­en­tações para os municí­pios sobre o que fazer para mel­ho­rarem suas receitas para custeio e manutenção da edu­cação básica.

Ao longo dos anos me acos­tumei ao ouvir por onde pas­sava que as sec­re­tarias de edu­cação – e muitas vezes toda a admin­is­tração –, estavam envolvi­dos em cam­pan­has de busca ativa.

Dizia e provava, que muito emb­ora as cam­pan­has de “busca ati­vas” devessem ser estim­u­ladas, com um decréscimo de cerca de 12 mil­hões de brasileiros em relação as pro­jeções feitas, elas, em algum momento seriam mod­e­los fada­dos à exaustão e que o finan­cia­mento da edu­cação, com con­se­quente aumento das receitas, devem se voltar para out­ras estraté­gias: como as ativi­dades com­ple­mentares e/​ou o ensino integral.

Tais estraté­gias devem vir “casadas” com mel­ho­rias nas condições de apren­diza­gem das nos­sas cri­anças, uma vez, que tal mel­ho­ria sig­nifica incre­mento nas receitas con­forme esta­b­elece o artigo 212-​A, da Con­sti­tu­ição Fed­eral.

É dizer, com out­ras palavras, como o número de pes­soas em idade esco­lar, no caso dos municí­pios, no ensino fun­da­men­tal, já é, basi­ca­mente, o mesmo há anos (com tendên­cia de redução) e as despe­sas do setor são sem­pre cres­centes (todo ano aumenta tudo, inclu­sive a folha de paga­mento) o valor per capita aluno/​ano não crescerão na mesma pro­porção o que exi­girá um incre­mento das receitas.

É em tal con­texto que uti­lizar ativi­dades com­ple­mentares e/​ou ensino inte­gral se apre­senta como a mel­hor solução pois, a um só tempo – se apli­cadas de forma cor­reta –, aumen­tará o tempo da cri­ança na escola e por con­se­quên­cia a sua chance de apren­dizado, ten­tando cor­ri­gir as décadas de atraso em relação aos demais países, como tam­bém, aumenta a receita dos municí­pios, possibilitando-​os mel­ho­rar a infraestru­tura de esco­las públi­cas e out­ros equipa­men­tos e a man­terem uma remu­ner­ação digna aos profis­sion­ais do setor.
Cumpre acres­cen­tar que já para o pre­sente exer­cí­cio o gov­erno fed­eral vai disponi­bi­lizar cerca de 4 bil­hões de reais para esses municí­pios. Um bom recurso que todos inter­es­sa­dos dev­e­riam buscar.

Durante anos tive­mos notí­cias de gestores munic­i­pais que uti­lizavam de artifí­cios diver­sos para mel­ho­rarem suas receitas. Emb­ora, não se possa dizer que tal prática tenha ces­sado, ela se torna a cada dia mais difí­cil e arriscada.

Os dados do censo “con­tou” quan­tas cri­anças exis­tem em cada municí­pio – não tem como “inflar” tal número –, já há alguns anos tornou-​se obri­gatório que todo nasci­mento com vida a cri­ança já deixe o hos­pi­tal com um número de CPF.

Com isso, a Con­tro­lado­ria Geral da União — CGU; o Tri­bunal de Con­tas da União — TCU (e seus con­gêneres nos esta­dos) e o próprio Min­istério da Edu­cação — MEC, ape­nas terão o tra­balho de fazer o cruza­mento de tais números – se já não estão fazendo –, para detec­tar quais­quer incon­sistên­cias. O mesmo podendo ocor­rer – se já na ocorre – com a inserção de quais­quer out­ros dados fal­sos nos sis­temas, como vimos recen­te­mente nos escân­da­los rela­ciona­dos à saúde.

Por tudo isso é muito impor­tante os entes públi­cos pro­curem fazer o certo da forma certa, livrando os gestores de pas­sarem o resto de suas vidas respon­dendo pelo que fiz­eram – e até pelo que não fiz­eram.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.

P. S. Em out­ros tex­tos con­tin­uare­mos a “dis­se­car” os números e os impactos do censo 2022 na vida dos brasileiros e dos seus entes.

Segue abaixo a Nota Téc­nica sobre a edu­cação a que nos refe­r­i­mos no texto.

EDU­CAÇÃONOTA TÉCNICA.

Com a divul­gação do Censo 2022 – com dois anos de atraso, registre-​se –, um novo desafio se coloca para a edu­cação brasileira: mel­ho­rar as receitas do setor com um número de alunos que se man­tém estag­nado e com despe­sas sem­pre cres­centes (salários, insumos, infraestrutura).

Nos últi­mos anos temos assis­ti­dos as ini­cia­ti­vas ou pro­moções das chamadas “bus­cas ati­vas”. São estraté­gias vál­i­das mas que estão longe de faz­erem face às neces­si­dades do setor, até porque com um decréscimo pop­u­la­cional de mais de 12 mil­hões de pes­soas em relação as pro­jeções até então feitas, inclu­sive pelo próprio IBGE, trata-​se de mod­elo fadado ao esgotamento.

Out­ras alter­na­ti­vas nos pare­cem mais van­ta­josas, seja como forma de aumen­tar a receita, seja por cumprirem o papel que se espera da edu­cação: for­mar pes­soas e moldar sociedades.

O gan­hador do prêmio Nobel de Econo­mia do ano 2000, James Heck­man (Chicago, Illi­nois, EUA, 1944 -), já dizia: “a tarefa de prover con­hec­i­mento às cri­anças deve começar tão cedo quanto pos­sível, de modo que se ergam alicerce sóli­dos para for­mar adul­tos pro­du­tivos e ino­vadores – duas qual­i­dades tão caras a uma econo­mia mod­erna”.

Na mesma linha, Cristo­vam Buar­que (1944 — ), engen­heiro, econ­o­mista, edu­cador, pro­fes­sor uni­ver­sitário, ex-​ministro da edu­cação, ex-​governador do Dis­trito Fed­eral, fun­dador da Uni­ver­si­dade de Brasilia e um dos maiores estu­diosos da edu­cação brasileira da atu­al­i­dade, em artigo pub­li­cado na Revista Veja, edição 2849, que cir­cu­lou em 12 de julho de 2023, pon­tif­i­cou que uma das for­mas de para sair­mos do atraso edu­ca­cional é ofer­e­cer condições de igual­dade a todas as cri­anças em idade esco­lar, assen­tando, ainda que as cri­anças brasileiras pre­cisam ser alfa­bet­i­zadas em pelo menos um idioma estrangeiro.

Assim é que defend­emos como estraté­gias para mel­ho­rar­mos as receitas dos municí­pios e a mel­ho­rias nas condições edu­ca­cionais as ativi­dades com­ple­mentares, sejam através de con­traturno esco­lar, seja através da edu­cação integral.

Senão vejamos:

Se o municí­pio coloca 5.000 em con­traturno, con­siderando o valor médio por aluno rece­berá no ano seguinte R$ 1.800,00 (um mil e oito­cen­tos reais) por aluno a mais, ou seja, R$ 9 mil­hões pelos 5 mil alunos.

CON­TRATURNO ESCOLAR

Nº Alunos

Valor p/​aluno R$

Total R$

Mín­imo (30%) R$

Novo valor p/​aluno R$

Novo Total R$

5000

6.000,00

30.000.000,00

1.800,00

7.800,00

39.000.000,00

O con­traturno, entre­tanto, deve ser ado­tado como pre­cur­sor do ensino inte­gral modal­i­dade em que o municí­pio passa a rece­ber o dobro do valor per capita aluno, ou seja, se é 6 mil por aluno passa a rece­ber 12 mil/​aluno.

ENSINO INTE­GRAL

Nº Alunos

Valor p/​aluno R$

Total R$

Ens. Inte­gral (100%) R$

Novo valor por aluno R$

Novo Total R$

5000

6.000,00

30.000.000,00

6.000,00

12.000,00

60.000.000,00

Outra situ­ação que não podemos perder de vista é alter­ação ocor­rida na Con­sti­tu­ição Fed­eral que teve acrescido o artigo 212-​A esta­b­ele­cendo que os entes que mel­ho­raram seus indi­cadores edu­ca­cionais farão jus a entrar no rateio de um de deter­mi­nado recurso do FUN­DEB, vejamos: “c) 2,5 (dois inteiros e cinco déci­mos) pon­tos per­centu­ais nas redes públi­cas que, cumpri­das condi­cional­i­dades de mel­ho­ria de gestão pre­vis­tas em lei, alcançarem evolução de indi­cadores a serem definidos, de atendi­mento e mel­ho­ria da apren­diza­gem com redução das desigual­dades, nos ter­mos do sis­tema nacional de avali­ação da edu­cação básica; (Incluída pela Emenda Con­sti­tu­cional nº 108, de 2020)”.

Ora, se a cri­ança passa mais tempo na escola, se a cri­ança é edu­cada no for­mato bilíngue é desnecessário dizer que ela terá um mel­hor aproveita­mento na sua for­mação em todos os sen­ti­dos, inclu­sive, em relação a grade cur­ric­u­lar tradicional.

Isso, sem con­tar que para a Prova SAEB de 2025 já está pre­vista a afer­ição do apren­dizado de lín­gua estrangeira que valerá 17% (dezes­sete por cento) da nota da referida prova. Cabe reg­is­trar que tal dis­ci­plina já estava pre­vista para entrar na avali­ação deste ano (2023) e foi reti­rada de última – per­sistindo ape­nas uma avali­ação “por amostragem”.

Mais ainda, como forma de incen­ti­var a edu­cação inte­gral o Con­gresso Nacional aprovou e já encam­in­hou a sanção do pres­i­dente o PL 2.617÷2023 com um incre­mento nas receitas da edu­cação na ordem de 4 bil­hões de reais visando a aber­tura de vagas de ensino inte­gral – con­siderando como tal, sete horas do estu­dante em sala de aula.

Tais recur­sos já estão pre­vis­tos para serem repas­sa­dos para os Munici­p­ios ainda este ano, sendo urgente que os municí­pios criem suas estraté­gias de contraturno/​ensino inte­gral para infor­marem no censo esco­lar em anda­mento para rece­berem tais recur­sos ainda este ano de 2023.

A con­strução de uma edu­cação forte e que atenda às neces­si­dades do país é tarefa de todos.

Abdon Clementino de Mar­inho é advo­gado munic­i­pal­ista e estu­dioso dos prob­le­mas edu­ca­cionais brasileiros.

Como os livros sal­varam minha vida.

Escrito por Abdon Mar­inho


Como os livros sal­varam minha vida.

Por Abdon C. Marinho.

RECEN­TE­MENTE li uma frase do econ­o­mista amer­i­cano James Heck­man (Chicago, Illi­nois, EUA, 1944 -), gan­hador do Prêmio Nobel de Ciên­cias Econômi­cas do ano 2000, que diz: “a tarefa de prover con­hec­i­mento às cri­anças deve começar tão cedo quanto pos­sível, de modo que se ergam alicerce sóli­dos para for­mar adul­tos pro­du­tivos e ino­vadores – duas qual­i­dades tão caras a uma econo­mia mod­erna”.

Desde sem­pre pre­ocu­pado com a edu­cação e já tendo escrito algu­mas dezenas de tex­tos sobre o assunto, fiquei espe­cial­mente feliz pelo fato do econ­o­mista amer­i­cano, lau­reado com o Nobel – repita-​se –, cor­rob­o­rar com aquilo que venho dizendo a minha vida inteira: o Brasil só ocu­pará o seu ver­dadeiro lugar no mundo se tiver­mos uma edu­cação forte, igual­itária, inclu­siva, que desde a mais tenra idade coloque a cri­ança como sen­hora de seu próprio des­tino, provendo-​a de condições obje­ti­vas edu­ca­cionais que não a deixe em desvan­tagem em relação às demais cri­anças.

Trata-​se de uma ver­dade tão óbvia que não pre­cis­aríamos de palavras boni­tas ou de efeito para expressá-​la.

Não faz muito tempo, durante uma sem­ana inteira, o Jor­nal da Band exibiu uma série de reporta­gens sobre o incen­tivo ao hábito de leitura para cri­anças na primeira infân­cia e os resul­ta­dos sur­preen­dentes que se pode alcançar com um hábito ou com ini­cia­ti­vas tão sin­ge­las na vida e para futuro destas cri­anças e do país.

Foi neste mesmo período que durante uma visita do amigo José Fer­reira, por alguma razão, pusemo-​nos a con­ver­sar sobre a importân­cia dos livros nas nos­sas vidas. Ele me con­tou da vez que levou uma surra da mãe por gasto todo o din­heiro que gan­hara de um tio ou padrinho, em uma viagem de férias, com­prando revis­tas em quadrin­hos. Por serem pobres, ela já con­tava com esse recurso para alguma despesa nas fes­tas de natal. Depois da “pisa”, ele pas­sou a con­sumir o “pro­duto do crime” em furtivas leituras em um beco próx­imo a sua casa.

Contei-​lhe tam­bém das min­has exper­iên­cias e de como os livros “sal­varam” minha vida.

Coloco como ponto de par­tida para minha relação com os livros o “dia seguinte” ao falec­i­mento da minha mãe. Não que tenha enveredado pelo mundo das leituras quando ela par­tiu, nada disso, quando tal fato se deu tinha pouco mais de cinco anos, naquele tempo só entrá­va­mos na escola depois dos sete, no meu caso, por conta da defi­ciên­cia física, demorou um pouco mais.

Uma vez um amigo me ques­tio­nou sobre a forma como colo­quei a minha orfan­dade em um texto ou vídeo. Segundo ele, dera a enten­der que ficara órfão de mãe e pai, simul­tane­a­mente, e, em seguida dizia que desde muito cedo aju­dava meus pais nas ativi­dades do dia a dia e em um comér­cio.

Na ver­dade, quando minha mãe mor­reu de parto, deixou uma “escad­inha” de 09 fil­hos, de 21 a 0 anos, que o meu pai ficou com a respon­s­abil­i­dade de criar – e fez isso diante de suas pos­si­bil­i­dades –, da mel­hor forma. Quando nos deixou, todos os fil­hos de seu primeiro casa­mento, já estavam bem encam­in­hados ou pelo menos já tin­ham um “rumo” na vida.

Sem­pre con­sid­erei como orfan­dade – pelo menos “con­tar” a par­tir daí –, o pas­sa­mento de minha mãe, pois quando a mãe falta ces­sam todas as nos­sas refer­ên­cias, sentimo-​nos estrangeiros na nossa própria casa, nos sen­ti­mos sem um “lugar” nosso, sem um acol­hi­mento, sem alguém para secar nos­sos pran­tos ou per­gun­tar das nos­sas dores.

No meu caso, as neces­si­dades eram um pouco maiores uma vez que após a poliomielite minha mãe pas­sou a desem­pen­har o papel de cuidadora, fisioter­apeuta, enfer­meira, e tan­tos out­ros. Sem ela, findara-​se o reinado de D. Abdon I — e único.

Acho que já ia pela casa dos sete ou oito anos quando, depois de pas­sar alguns meses na escol­inha de “latada” do povoado, fui man­dado para morar com meus irmãos em Gov­er­nador Archer, na Rua do Sossego, para estu­dar no colé­gio Alde­nora Belo.

Eram cri­anças cuidando de cri­anças, não tinha como dar certo. Os primeiros meses, em um mundo total­mente difer­ente, não foram fáceis. Eu ia para escola, cir­culava um pouquinho por lá – as vezes nem isso –, e “fugia” para casa.

Desnecessário dizer que nas min­has primeiras “férias” de volta ao povoado, com meu pai tendo tomado con­hec­i­mento, das min­has “fugas” da escola gan­hei uma surra de cin­turão. Foi um santo remé­dio. No semes­tre seguinte nada de fugir de escola e procu­rava me esforçar o máx­imo para apren­der o que era ensi­nado. Com o auxílio de uma palmatória, éramos “incen­ti­vado” a apren­der a tabuada.

Com oito anos (ou mais) já lia e escrevia alguma coisa. Nas férias, meu pai aproveitava esse “con­hec­i­mento” para que ano­tasse em um caderno o peso das sacas de arroz que buscá­va­mos nas roças daque­les que haviam ven­dido o pro­duto “na folha”.

Foi no iní­cio da minha ado­lescên­cia que mer­gul­hei no mundo dos livros.

Emb­ora já gostasse de ler e tendo nos livros a chave para um mundo só meu, neste período mudou-​se para minha rua uma sen­hor­inha já de idade avançada (acho que mais de sessenta ou setenta anos) que pos­suía diver­sos livros.

Não sabia de onde viera ou da sua história, mas ela era uma leitora voraz, pas­sava horas e horas lendo. Me emprestava todos livros que não estivesse lendo para que eu lesse. Fui criando gosto pelo pas­satempo.

Quando mudei-​me para cap­i­tal, para seguir em frente nos estu­dos, perdi total­mente o con­tato com essa sen­hor­inha a ponto de nem lem­brar ou saber o seu nome – acho que só a chamavam de dona Mocinha.

Por vezes fico a pen­sar que todas as pes­soas que cruzam as nos­sas vidas fazem isso por algum propósito não deter­mi­na­dos por nós. O caso dessa sen­hora, sem­pre lem­bro como o mais ilus­tra­tivo.

Sem motivo algum, uma cri­ança órfã – devia ter dez, onze, no máx­imo doze anos –, defi­ciente, faz amizade com uma sen­hor­inha de idade avançada e dessa inter­ação faz des­per­tar o gosto por livros que fun­cionam como dro­gas a lhe per­mi­tir fugir de todos os seus anseios, inqui­etações e sofri­men­tos.

Nessa “fuga”, todo tipo de lit­er­atura me servia, dos livrin­hos recre­ativos com histórias de cow­boys amer­i­canos aos clás­si­cos da lit­er­atura brasileira e mundial; mitolo­gia grega; história clás­sica, geografia do Brasil e do mundo; ensaios pornográ­fi­cos e tan­tos outros.

Acho que nos dias de hoje pren­de­riam dona Mocinha por me colo­car em con­tato com tanto “mate­r­ial impróprio” a uma criança/​adolescente.

O certo é que lia tudo que me chegasse às mãos, fosse pelas mãos de dona Mocinha, fosse por quais­quer out­ras mãos. Favore­cia a leitura o fato de ficar durante todo o dia tomando de conta de um comér­cio que meu pai inau­gurou para que tomasse conta na Rua Dr. Paulo Ramos, que naquele tempo, como tudo, tinha outro apelido.

Outra coisa que favore­cia o hábito da leitura é que “naquele tempo”, anos setenta, oitenta, todo mundo lia alguma coisa. As mocin­has liam revis­tas Sétimo Céu, Sab­rina, Bianca, Bár­bara, etc; os meni­nos liam gibis, Tio Pat­in­has, Pato Don­ald, Zé Car­i­oca, etc; os jovens liam os “bol­silivros”, Tex, Zagor e mes­mos os clás­si­cos da lit­er­atura, como José de Alen­car, Gonçalves Dias … a leitura era o prin­ci­pal passatempo.

Já na ilha, morando com meu irmão e estu­dando no Liceu Maran­hense – e depois quando me prepar­ava para vestibu­lar –, con­tin­uei “vici­ado” em livros. Após as tare­fas domés­ti­cas ou qual­quer tempo livre cor­ria para a bib­lioteca.

Quando Cafeteira assumiu o gov­erno do estado, uma das primeiras medi­das, após deter­mi­nar que frota de veícu­los públi­cos de abób­ora, foi reati­var ou dar maior fun­cional­i­dade aos Cen­tros Soci­ais Urbanos, os CSU’s, através da Sec­re­taria de Assistên­cia Social. No cen­tro do Habita­cional Turu tin­ham diver­sos cur­sos des­ti­na­dos a todos os públi­cos (cheguei a fazer e ser cer­ti­fi­cado no curso de datilo­grafia) e tinha, tam­bém, uma bib­lioteca com mil­hares de vol­umes de livros, que li, capri­chosa­mente, uma grande parte (quase todos). Quando não estava mer­gul­hado nos livros de lit­er­atura, estava pesquisando nas enci­clopé­dias Barsa ou Britânica. Muito emb­ora hoje todo o con­hec­i­mento esteja à dis­tân­cia de um dedo, “basta dá um Google”, como dizem alguns, as enci­clopé­dias escritas tin­ham uma van­tagem: enquanto você pesquisava um tema, lia ou encon­trava diver­sos out­ros, indo muito além da pesquisa ini­cial. Essa é uma van­tagem do ensino analógico.

Foram essas exper­iên­cias, esse amor aos livros que me fiz­eram forte e me troux­eram até aqui.

E por tudo somos gratos.

Abdon C. Mar­inho é advo­gado.